Mamma

Dia desses ela ligou e fez um convite:
- Vamos ao shopping, compramos o presente do seu pai e depois podemos jantar juntas, que tal?
Ela odeia shoppings e nunca come fora de casa.
O susto não parou por ai:
- Eu te pego no seu apartamento e depois te deixo.
Foram quase dez anos tentando arranjar caronas e pouquissímas conquistas.
Quando a esmola é demais o santo desconfia, mas dei crédito: fui.
Passeamos, compramos o tal presente, conversamos, jantamos...
E quando achei que a cota de surpresas da noite tivesse atingido o limite ela disse:
- Eu pago, fica tudo por minha conta.
Pasma.
Pasma e contente.
*

Hoje, nova ligação, outro convite:
- Você não quer ir comigo na festinha do Gabriel?
- Ah... Não tô com paciência pra encontrar a família Buscapé inteira...
- Então venha almoçar aqui amanhã. Eu te busco.
- Tudo bem, amanhã eu vou.
No horário combinado (inédito) ela estava na portaria.
De blusa novelísticamente indiana e sorriso no rosto.
Conversa sem pausas durante o caminho.
Parada no supermercado para comprar os ingredientes do almoço, todos os meus prediletos.
Fiz companhia enquanto ela cozinhava.
Não me deixou ajudar.
Lembrou que está aprendendo Crochet, mostrei interesse e isso a empolgou.
Quando percebi nos vi envolvídissimas com lã e agulhas...
E até agora não consigo encontrar outra lembrança de algo que ela tenha me ensinado a fazer. Não assim, com tanto empenho, boa vontade e atenção.
Eu fiquei ali, na posição de filha.
Filha que aprende com a mãe.
E não a filha ingrata que não corresponde as expectativas maternas, posição costumeira.
- Você aprendeu rápido. Aliás, você sempre aprendeu tudo muito rápido.
E foi com esse elogio, barriga cheia e uma caixa de doces que voltei para casa.

Nada, realmente, é impossível.

*
Acordei com o canto de pássaros, vizinhos recém-descobertos.
Canto cheio de significados.
Desejei que um deles fosse o de anúncio de um bom dia.
Foi mesmo.

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