Num sábado à noite



Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meu olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho.
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

Fernando Pessoa
O eu profundo e os outros eus

1 comentários:

Thiago Lima disse...

Que delícia ler Fernando Pessoa no seu blog. Isso causa uma sensação gostosa!!!